IGREJA, UMA MEGACOBERTURA
Carlos Alberto Di Franco
Uma megacobertura.
Não há outra palavra para definir o volume de informação a respeito da Igreja
Católica. A surpreendente renúncia de Bento XVI, os bastidores do conclave, o
impacto da eleição do primeiro pontífice da América Latina e a próxima Jornada
Mundial do Juventude, encontro do papa Francisco com os jovens, em julho no Rio
de Janeiro, puseram a Igreja no foco de todas as pautas.
A cobertura do
Vaticano é um case jornalístico que merece uma análise técnica. Algumas
patologias, evidentes para quem tem olhos de ver, estiveram presentes em certas
matérias da imprensa mundial: engajamento ideológico, escassa especialização e
preparo técnico, falta de apuração, reprodução acrítica de declarações não contrastadas
com fontes independentes e, sobretudo, a fácil concessão ao jornalismo
declaratório.
Poucos, por
exemplo, aprofundaram no verdadeiro sentido da renúncia de Bento XVI e na
qualidade de seu legado. O papa emérito, intelectual de grande estatura e homem
de uma humildade que desarma, sempre foi julgado com o falso molde de um
conservadorismo exacerbado.
Mas, de fato, foi o
grande promotor da implantação do Concílio Vaticano II, o papa que mais avançou
no diálogo com o mundo islâmico, o pontífice que empunhou o bisturi e tratou de
rasgar o tumor das disputas internas de poder e o câncer dos desvios sexuais.
Sua renúncia, um
gesto profético e transgressor, foi um ato moderno e revolucionário. Bento XVI
não teve nenhum receio de mostrar ao mundo um papa exausto e sem condições de
governar a Igreja num período complicado e difícil. Foi sincero. Até o fim.
Ao mesmo tempo, sua
renúncia produziu um vendaval na consciência dos cardeais. A decisão, inusual
nas plataformas de poder, foi a chave para o início da urgente e necessária
reforma da Igreja. O papa emérito, conscientemente afastado das bajulações e
vaidades humanas e mergulhado na sua oração, está sendo uma alavanca de
renovação da Igreja.
Nada disso, no
entanto, apareceu na cobertura da mídia. Faltou profundidade, análise séria,
documentação. Ficamos, todos, focados nos boatos, nas intrigas, na ausência de
notícia. Falou-se, diariamente, do relatório dos cardeais ao papa emérito
denunciando supostos escândalos no Vaticano. Mas ninguém na mídia, rigorosamente
ninguém, teve acesso ao documento.
Os jornais, no
entanto, entraram de cabeça no mundo conspiratório. Suposições, mesmo
prováveis, não podem ganhar o status de certeza informativa.
Escrevia-me,
recentemente, um excelente jornalista. Acordei hoje cedo, li os jornais e me
perguntei: sou só eu a me indignar muito com a proliferação de
"informações" inverificáveis, oriundas de fontes em off the record
ou de documentos "sigilosos" sobre os quais não há nenhum outro dado
que permita verificar sua realidade e consistência?
Ninguém se
questiona sobre tantos "furos" "obtidos" por jornalistas
que escrevem à distância "reportagens" tão nebulosas, redigidas em
uma lógica claramente sensacionalista? Ninguém mais se preocupa com a checagem
de informações, com a credibilidade das fontes? Assino em baixo do seu
desabafo.
A enxurrada de
matérias sobre abuso sexual na Igreja é outro bom exemplo desses desvios.
Setores da mídia definiram os abusos com uma expressão claramente equivocada:
“pedofilia epidêmica”. Poucos jornais fizeram o que deveriam ter feito: a
análise objetiva dos fatos. O exame sereno, tecnicamente responsável,
mostraria, acima de qualquer possibilidade de dúvida, que o número de delitos
ocorridos é muitíssimo menor entre padres católicos do que em qualquer outra
comunidade.
O conhecido
sociólogo italiano Massimo Introvigne mostrou que, num período de várias
décadas, apenas 100 sacerdotes foram denunciados e condenados na Itália,
enquanto 6 mil professores de educação física sofriam condenação pelo mesmo
delito.
Na Alemanha, desde
1995, existiram 210 mil denúncias de abusos. Dessas 210 mil, 300 estavam
ligadas ao clero, menos de 0,2%. Por que só nos ocupamos das 300 denúncias
contra a Igreja? E as outras 209 mil denúncias? Trata-se, como já afirmei, de
um escândalo seletivo.
Claro que alguns
representantes da Igreja –padres, bispos e cardeais - têm importante parcela de
culpa. Na tentativa de evitar escândalos públicos, esconderam um problema que é
inaceitável. Acresce a tudo isso o amadorismo, o despreparo e a falta de
transparência da comunicação eclesiástica.
O novo pontífice
precisa enfrentar a batalha da comunicação. E dá toda a impressão de que o papa
Francisco está decidido a estabelecer um diálogo direto e produtivo com a
imprensa. O desejo de se reunir com os jornalistas na grande sala de audiência
Paulo VI foi muito sugestivo.
A Igreja, com sua
história bimilenar e precedentes de crises muito piores, é um fenômeno
impressionante. E, obviamente, não é um assunto para ser tocado com amadorismo,
engajamento ou preconceito. A má qualidade da cobertura da Igreja é, a meu ver,
a ponta do iceberg de algo mais grave.
Reproduzimos,
frequentemente, o politicamente correto. Não apuramos. Não confrontamos
informações de impacto com fontes independentes. Ficamos reféns de grupos que
pretendem controlar a agenda pública. Mas o jornalismo de qualidade não pode
ficar refém de ninguém: nem da Igreja, nem dos políticos, nem do movimento gay,
nem dos funtamentalistas, nem dos ambientalistas, nem dos governos. Devemos,
sim, ficar reféns da verdade e dos fatos.
Há espaço, e muito,
para o bom jornalismo. Basta cuidar do conteúdo e estabelecer metodologias e
processos eficientes de controle de qualidade da informação.
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