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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

À espera de um novo papa - Domingos Zamagna


À espera de um novo papa

Domingos Zamagna (*)

         A notícia da renúncia de Bento XVI ao papado colheu a todos de surpresa. Afinal, somente um caso de renúncia tinha sido registrado na história da Igreja católica, quando o monge Celestino V, papa por seis meses, em 1294, resolveu retomar a sua vida eremítica, julgando-se pouco afeito às funções de pastor universal. Os demais casos de renúncias foram devidos a circunstâncias críticas, sem nenhuma relação com a atual situação.
         De fato, a única razão alegada por Bento XVI é a sua idade avançada (85 anos) e os problemas que começam a abalar a sua saúde. Quem o viu nas celebrações natalinas percebeu claramente que já dava sinais de profunda debilidade física (embora guarde impressionante lucidez). Uma situação que só faria aumentar, perigosamente, a sua solidão. Todos sabemos que uma das melhores formas de controlar os bastidores de uma instituição é sobrecarregar o chefe de tal forma que ele não consiga fazer nada, ficando as decisões para os segundos escalões. Um regime colegiado poderia solucionar o problema, mas na Igreja esse regime ainda é uma utopia.
         Deve ter pesado na sua decisão a situação precedente, a do papa João Paulo II que, mesmo moribundo, insistia em permanecer à frente da Igreja, quando todos sabiam que quem governava a Igreja efetivamente eram dois ou três cardeais, liderados pelo então cardeal Ratzinger. Antes que sucedesse com Bento XVI a mesma e embaraçosa situação, preferiu se antecipar. Um exemplar gesto de racionalidade, fruto de total liberdade, sem ferir o respeito e o amor à Igreja.
         De um lado, o gesto da renúncia, aliás previsível no Direito da Igreja, mostra que nem mesmo o papa é insubstituível, podendo perfeitamente se retirar do governo da Igreja, porque ela prosseguirá seu curso normalmente, sem traumas. Trata-se também de um gesto de desapego e humildade, reconhecendo que um outro cardeal poderá desempenhar sua missão, até melhor do que ele. É uma crença lastreada na fé teologal, isto é, a Igreja tem uma assistência divina  que independe das feições desta ou daquela pessoa. Mas a assistência divina, que se ensina reservada aos assuntos dogmáticos, não altera a dinâmica psicossocial, de modo que as feições desta ou daquela pessoa seguramente alteram a pragmática da Igreja para o bem ou para o mal.
         Historicamente, a renúncia é significativa, pois os papas vêm desempenhando cada vez mais uma função de elevada moralidade: eclesialmente, intenso trabalho de purificação da Igreja; mundialmente, firme pregação da justiça, defesa da vida e da paz, com especial atenção para as nações mais pobres. Um novo papa, com mais condições de intensificar esses trabalhos, só poderá ser muito bem vindo. Daí a razão de todos se interessarem pela eleição do substituto de Bento XVI. Não deixa de ser uma esperança para o mundo.
         Certamente na Páscoa os católicos já terão um novo líder que dará continuidade às boas iniciativas dos últimos papas, como fez Paulo VI cujo pontificado se caracterizou pela aplicação do Concílio do Vaticano II. Mas o próximo papa não terá obrigação de ser um mero imitador dos seus predecessores, repetidor de fórmulas, contando com liberdade e apoio das forças vivas da Igreja para promover as reformas que se fazem necessárias na comunidade católica, a começar das suas cúpulas, para maior autenticidade na vivência evangélica.
Provavelmente, a primeira grande viagem do novo papa será ao Brasil, para o compromisso já assumido pela Igreja com a Jornada Mundial da Juventude, no próximo mês de julho, na cidade do Rio de Janeiro.
         Oxalá o gesto de Bento XVI sirva também de exemplo para muitos governantes, a começar pelo nosso país, pois – mesmo não tendo chegado aos 80 anos – há muitos chefes e chefetes há décadas no comando de cidades, regiões, estados, agências, parlamentos, escolas, partidos e... religiões.


(*) Jornalista e professor de Filosofia em São Paulo.