Copa do Mundo e Dinheiro Público
Ives Gandra da Silva Martins
Como contribuinte em um País em que a saúde, a
educação e serviços públicos essenciais deixam a desejar, sou contrário a que
se desvie dinheiro público -ou seja , dos contribuintes-, para construção de
elefantes brancos que serão utilizados para 3 ou 4 jogos da Copa de 2014.
Todos nós temos consciência -aqueles que se
preocupam pelas finanças públicas das entidades federativas do Brasil- que
apesar de a carga tributária atingir a fantasmagórica cifra de 37% do PIB
(entre tributos e penalidades, que constituem a obrigação tributária, nos
termos do art. 113 do Código Tributário Nacional), sabem que grande parte dela
é dirigida apenas para remuneração dos servidores públicos, que , em nível de
vencimentos e aposentadorias , estão muito acima dos cidadãos do segmento
privado, que, sem gozarem de estabilidade, sofrem para ganhar o pão nosso de
cada dia. Veja-se o que foi dedicado no orçamento para o Bolsa Família, 12
bilhões de reais , que atende a 11 milhões de pessoas, enquanto aquilo que se
oferece a menos de 1 milhão de servidores federais, chega a 183 bilhões de
reais. E, apesar desta cifra, aumentos de até 56% estão sendo outorgados aos
que deveriam servir à nação e , na verdade, se servem dela, sendo fartamente
remunerados por nossos tributos.
Nada obstante, a carga tributária ser tão
elevada, o investimento público para o desenvolvimento caiu 4 vezes , em
relação ao período em que a carga situava-se em 24%, como informou Delfim
Netto, em palestra que proferimos juntos. Hoje, 37% do PIB geram um
investimento público de 1%; antes, 24% geravam um investimento de 4% em relação
ao mesmo PIB!!!
Todos nós temos plena consciência de que o SUS
deixa a desejar, que o sistema de educação é sofrível, que a infraestrutura do
País não comporta um desenvolvimento mais acelerado e que , se os governos
gastassem menos em despesas de custeio e com a mão-de-obra oficial , poderíamos
alcançar desenvolvimento econômico e social muito melhor.
Ora, com todas estas deficiências , desviar
recursos públicos para construção de estádios, como ocorreu no Rio de Janeiro,
com o Panamericano e a criação deste elefante branco, que é o Engenhão,
representa, em verdade, desvio de dinheiro essencial para outras atividades
públicas mais importantes.
Por outro lado, é do conhecimento geral que tanto
a CBF como a FIFA e todo os seus patrocinadores têm recursos de sobra, aliás ,
bem utilizados “pro domo sua” pelos seus perpétuos dirigentes.
Parece-me fundamental - como a Folha de São Paulo
realçou em um de seus editoriais - que a CBF, a FIFA, seus patrocinadores, que
são aqueles que organizam as Copas, utilizem-se seus próprios recursos , sem
tirar o dinheiro do pobre contribuinte, que paga muito e recebe serviços
públicos de má qualidade.
Creio que um movimento nacional deve ser
organizado, para que se preserve o dinheiro público destinando-o a funções
relevantes do Estado e que o lazer, representado pelo esporte , seja financiado
pelos que dirigem o futebol mundial e no Brasil.
Que os candidatos à presidência e os governadores
de Estados não cedam à tentação de prometer com o chapéu alheio (dinheiro do
contribuinte) auxílio para entidades que , todos sabemos, nadam em dinheiro. E
que os prefeitos, que têm tão pouco do bolo tributário nacional, não
desperdicem o escasso dinheiro público que possuem , na construção de novos
estádios. Isto é tarefa das duas milionárias organizações do futebol
internacional e brasileiro e não do Poder Público.
Jornal do Brasil, 01 de julho de 2010